Naquele 19 de agosto, bem na hora do
enterro, cantei pra ela um sambinha do Nelson Cavaquinho. "Graças a
Deus, minha vida mudou. Quem me viu, quem me vê, a tristeza acabou. Contigo
aprendi a sorrir, escondeste o pranto de quem sofreu tanto. Organizaste uma
festa em mim e é por isso que eu canto assim: la la laiá, lalaiá,
lalaiá..."
Parece incrível que uma adolescente, vestida com um tomara-que-caia preto, tenha tido presença de espírito pra cantar diante do corpo de sua mãe. Hoje, nove anos depois, ainda me assusto por ter tido essa coragem.
Acho que nesse dia a vida me ensinou o senso de oportunidade. Era preciso, não podia ficar pra depois. A hora da homenagem era aquela, e eu tinha uma vontade de dizer pra todo mundo o quanto eu tinha sido feliz pela mãe que tive. Disse. Com todas as letras e notas, diante de uma plateia que talvez tenha se dividido entre a emoção e o deboche.
Mesmo que eu e ela tenhamos sofrido muitas vezes antes, mesmo que eu viesse a sofrer muito a falta dela depois. Aquela era a hora, e eu soube viver aquele único momento com inteireza, sem pensar no futuro ou sofrer por antecipação. Fiz com satisfação porque eu carregava em mim um coração agradecido, mesmo que despedaçado.
Hoje, tempos e amores depois, resolvi colocar a mesma música pra tocar aqui na mesma sala, num dia de tristeza inédita. Ou de uma velha melancolia, exibindo as feridas que ainda habitam em mim.
É incrível como fui capaz de esquecer desse antídoto, como se eu estivesse apegada às dores que me assaltaram de algumas semanas pra cá – e a dor tem os seus encantos. E de novo descubro que em mim existem sorrisos de verdade, e com as notas procuro fazer a esperança espantar o medo, esse que desenha um futuro escuro como numa tentativa de nos proteger de alguma decepção – mas o faz de um jeito burro, porque é muito melhor ter esperança que deixar de viver a felicidade por medo de ela acabar.
O samba ensina entusiasmo. Mesmo que fale de acontecimentos tristes, desamor ou abandono, ele canta a alegria que virá, inevitavelmente, porque a vida é mesmo em ciclos. Quem canta um samba lembra que a vida é agora, e se despede da tristeza com graça, antecipadamente, como quem coloca vassoura atrás da porta, confiante de que assim a visita indesejada vai logo dar um jeito de ir embora.
Cantar e sambar é um jeito brasileiro de acreditar no futuro, em notas que choram docemente, lembrando que satisfação é estar vivo e que isso deve fazer algum sentido.
E é assim que hoje, ouvindo samba, decidi começar a caminhar de novo, mesmo com os pés doendo: com a certeza de que em pouco tempo vou encontrar um lugar pra me sentar, tirar os sapatos e apreciar a estrada. Para depois dar mais alguns passos descalça e, com novos calos a proteger os pés, descobrir caminhos que nem estavam no mapa, e voltar ao prazer da viagem.
Lá na frente, quem sabe eu mesma faça um sambinha, cantando em humor as vezes que errei o caminho – e de como foi bom aprender.
Parece incrível que uma adolescente, vestida com um tomara-que-caia preto, tenha tido presença de espírito pra cantar diante do corpo de sua mãe. Hoje, nove anos depois, ainda me assusto por ter tido essa coragem.
Acho que nesse dia a vida me ensinou o senso de oportunidade. Era preciso, não podia ficar pra depois. A hora da homenagem era aquela, e eu tinha uma vontade de dizer pra todo mundo o quanto eu tinha sido feliz pela mãe que tive. Disse. Com todas as letras e notas, diante de uma plateia que talvez tenha se dividido entre a emoção e o deboche.
Mesmo que eu e ela tenhamos sofrido muitas vezes antes, mesmo que eu viesse a sofrer muito a falta dela depois. Aquela era a hora, e eu soube viver aquele único momento com inteireza, sem pensar no futuro ou sofrer por antecipação. Fiz com satisfação porque eu carregava em mim um coração agradecido, mesmo que despedaçado.
Hoje, tempos e amores depois, resolvi colocar a mesma música pra tocar aqui na mesma sala, num dia de tristeza inédita. Ou de uma velha melancolia, exibindo as feridas que ainda habitam em mim.
É incrível como fui capaz de esquecer desse antídoto, como se eu estivesse apegada às dores que me assaltaram de algumas semanas pra cá – e a dor tem os seus encantos. E de novo descubro que em mim existem sorrisos de verdade, e com as notas procuro fazer a esperança espantar o medo, esse que desenha um futuro escuro como numa tentativa de nos proteger de alguma decepção – mas o faz de um jeito burro, porque é muito melhor ter esperança que deixar de viver a felicidade por medo de ela acabar.
O samba ensina entusiasmo. Mesmo que fale de acontecimentos tristes, desamor ou abandono, ele canta a alegria que virá, inevitavelmente, porque a vida é mesmo em ciclos. Quem canta um samba lembra que a vida é agora, e se despede da tristeza com graça, antecipadamente, como quem coloca vassoura atrás da porta, confiante de que assim a visita indesejada vai logo dar um jeito de ir embora.
Cantar e sambar é um jeito brasileiro de acreditar no futuro, em notas que choram docemente, lembrando que satisfação é estar vivo e que isso deve fazer algum sentido.
E é assim que hoje, ouvindo samba, decidi começar a caminhar de novo, mesmo com os pés doendo: com a certeza de que em pouco tempo vou encontrar um lugar pra me sentar, tirar os sapatos e apreciar a estrada. Para depois dar mais alguns passos descalça e, com novos calos a proteger os pés, descobrir caminhos que nem estavam no mapa, e voltar ao prazer da viagem.
Lá na frente, quem sabe eu mesma faça um sambinha, cantando em humor as vezes que errei o caminho – e de como foi bom aprender.
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