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Notas de Silêncio





Durante alguns dias em que estivemos separados, minha melhor companhia foi um disco da Cat Power, presente de um amigo que, carinhosamente, desenhou um coração partido na face do cd. Esta música faz parte da categoria das “músicas silenciosas”. Ouço bem alto e ainda sobra espaço para sentir. É música que fala de falta – e por isso mesmo fala de encontro. De uma presença que era o que eu estava tentando encontrar naquela época: a minha própria. Chegar mais perto de mim naqueles dias talvez tenha ajudado a trazê-lo, dias depois. Eu me reencontrava com o mundo, mas não ia só – pela primeira vez na vida, eu me sentia em minha própria companhia. Depois de um tempo, de fato, não estava mais sozinha: me descobri dentro de mim. E então aquela força e aquela alegria que eu sentia sem saber por que, ganharam explicação.


Já uma música do M. Ward, também silenciosa, foi minha companhia numa outra transição. Entre a perda da minha mãe e a chegada de um mundo novo, eu sentia uma mistura que eu não sabia explicar – nem sei se sabia sentir. Essa música me ajudou a chegar no lugar. Minha tristeza se assentou, talvez por finalmente ter se mostrado. E era uma tristeza doce. Uma tristeza em paz. Ouvir essa música me fazia pensar e principalmente sentir tudo isso: a ida dela, sobreposta a uma vida nova, a minha vida. Na confusão absurda daquele momento, essa música parecia me contar a minha própria história.

Tenho lembranças dela no dia de sua partida, principalmente quando tive que ir ao cartório resolver a papelada da certidão de óbito. Um papel, um único papel que atestava a certeza que meu coração insistia em não acreditar. Sentei numa cadeira e coloquei os fones de ouvido, um momento em que me pus a pensar no que fazer naquele dia em que o mundo inteiro trabalhava, e eu tinha parado para esperar o pedaço de folha mais pesado que já se ouviu falar. Naquele dia, sim, senti solidão. Porque a vida das pessoas tinha que continuar, e eu estava diante de um divisor de águas. Nunca mais voltaria a ser a mesma. Minha mãe já não estava ao meu lado para presenciar essa mudança – nem para mudar comigo. Quanta ironia: ela causou a mudança.

Fazia um mês que eu só ouvia esse disco , desde que Miguel o levou para mim de presente. Ele não sabe que foi essa seleção de músicas que me levou para outro lugar. As próprias músicas acabaram se tornando um lugar, que eu visito de vez em quando, para entender de novo o que senti. Para entender, sentindo de novo.

Até hoje, ao ouvir essa música, tenho uma vontade de chorar que não é de tristeza, é de beleza. É disso que ela fala, é disso que fala a minha história, pois em meio a tanta dor, as cores foram mais fortes...
Da beleza de um ir e vir, sem lógica nem explicação. Da beleza de um sentir que se mistura: o que sinto por ela, o que sinto por mim e o que sinto pelos nossos.

Se existe um lugar, além de mim, onde nós duas nos encontramos, é nessa música. E não é pela letra, porque eu nem me preocupo com ela. É pelo que ela provoca aqui dentro: um sentir, sentir, sentir. Que não tem nada a ver com pensar. E que, nessa falta de lógica que compõe a nossa história, se explica.

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