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Cotidiano


Aos poucos a vida vai voltando ao normal, aos poucos tudo vai se encaixando. Aos poucos a menina de dois anos e três meses começa a ficar diferente daquela criança de dois anos, e mais diferente ainda daquele bebê de um ano e meio. Aos poucos a gente explica e ela entende. Aos poucos ela é menos exigente e mais companheira. Aos poucos.
Aos poucos aquele menino de cinco anos começa a ficar diferente daquele menino de quatro anos e meio, e mais diferente ainda daquele menino de quatro. Aos poucos a gente explica, ele entende e quase sempre não aceita. Aos poucos ele se torna mais exigente e menos carinhoso. Aos poucos.

Há uns dias voltei a cozinhar com o mesmo prazer de antes, ao invés de jogar alguma coisa às pressas na panela, exausta com preocupações de trabalho e estudo, gerando noites mal dormidas. Utilizei mão de obra infantil para descascar cenouras. Encontrei uma grande quantidade de cenouras dentro do meu açucareiro.

Cozinhei tudo devagar, por horas. Liquidifiquei, assei, temperei... Tivemos um almoço e tanto, com um sabor de limpar o prato que há muito tempo tivemos saudades. Na hora de lavar e secar a louça utilizei mão de obra infantil mais uma vez. Encontrei conchas e colheres dentro da geladeira.

Aos poucos o perfume de comida preparada pelas nossas mãos está voltando à nossa casa. Aos poucos a gente pensa, planeja, compra, prepara, se alimenta. Ainda há dias em que a pizza comprada pronta entra no forno junto com um potinho de purê de batatas também comprado pronto. Porque eu até sei descascar, cortar, ferver, amassar, temperar e preparar um purê de batata. Mas se eu faço isso tudo não sobra tempo de ler um livro no sofá preferido para a minha menina preferida, nem de ver um filme, no mesmo sofá preferido, com o meu menino preferido.

Prioridades. O sofá vence, sempre.


 

Sobre samba, alegrias e despedida.

Naquele 19 de agosto, bem na hora do enterro, cantei pra ela um sambinha do Nelson Cavaquinho. "Graças a Deus, minha vida mudou. Quem me viu, quem me vê, a tristeza acabou. Contigo aprendi a sorrir, escondeste o pranto de quem sofreu tanto. Organizaste uma festa em mim e é por isso que eu canto assim: la la laiá, lalaiá, lalaiá..."

Parece incrível que uma adolescente, vestida com um tomara-que-caia preto, tenha tido presença de espírito pra cantar diante do corpo de sua mãe. Hoje, nove anos depois, ainda me assusto por ter tido essa coragem.

Acho que nesse dia a vida me ensinou o senso de oportunidade. Era preciso, não podia ficar pra depois. A hora da homenagem era aquela, e eu tinha uma vontade de dizer pra todo mundo o quanto eu tinha sido feliz pela mãe que tive. Disse. Com todas as letras e notas, diante de uma plateia que talvez tenha se dividido entre a emoção e o deboche.

Mesmo que eu e ela tenhamos sofrido muitas vezes antes, mesmo que eu viesse a sofrer muito a falta dela depois. Aquela era a hora, e eu soube viver aquele único momento com inteireza, sem pensar no futuro ou sofrer por antecipação. Fiz com satisfação porque eu carregava em mim um coração agradecido, mesmo que despedaçado.  

Hoje, tempos e amores depois, resolvi colocar a mesma música pra tocar aqui na mesma sala, num dia de tristeza inédita. Ou de uma velha melancolia, exibindo as feridas que ainda habitam em mim.

É incrível como fui capaz de esquecer desse antídoto, como se eu estivesse apegada às dores que me assaltaram de algumas semanas pra cá – e a dor tem os seus encantos. E de novo descubro que em mim existem sorrisos de verdade, e com as notas procuro fazer a esperança espantar o medo, esse que desenha um futuro escuro como numa tentativa de nos proteger de alguma decepção – mas o faz de um jeito burro, porque é muito melhor ter esperança que deixar de viver a felicidade por medo de ela acabar.

O samba ensina entusiasmo. Mesmo que fale de acontecimentos tristes, desamor ou abandono, ele canta a alegria que virá, inevitavelmente, porque a vida é mesmo em ciclos. Quem canta um samba lembra que a vida é agora, e se despede da tristeza com graça, antecipadamente, como quem coloca vassoura atrás da porta, confiante de que assim a visita indesejada vai logo dar um jeito de ir embora.

Cantar e sambar é um jeito brasileiro de acreditar no futuro, em notas que choram docemente, lembrando que satisfação é estar vivo e que isso deve fazer algum sentido.

E é assim que hoje, ouvindo samba, decidi começar a caminhar de novo, mesmo com os pés doendo: com a certeza de que em pouco tempo vou encontrar um lugar pra me sentar, tirar os sapatos e apreciar a estrada. Para depois dar mais alguns passos descalça e, com novos calos a proteger os pés, descobrir caminhos que nem estavam no mapa, e voltar ao prazer da viagem.

Lá na frente, quem sabe eu mesma faça um sambinha, cantando em humor as vezes que errei o caminho – e de como foi bom aprender.

Ela - Ele

Ela: já fez faculdade de História, faz biomedicina, mas queria mesmo fazer odontologia; dizem que ela é extrovertida e um pouco brava; ela adora literatura, fotografia, filmes, Beatles e cerveja; ela tem 88 de RAM; ela ainda não sabe, mas gosta de futebol; ela escuta rock e bandas novas; ela tem sede de conhecer o mundo; ela ama os fins de tarde; ela ama ver a Lua; ela ama ele.
Ele: fez faculdade de automação industrial, tem um emprego federal, mas queria mesmo fazer arquitetura; dizem que ele é extrovertido e muito paciente; ele adora o Flamengo, vídeo game, dança; viajar; matemática e crianças; ele tem uma memória de 136 terabites; ele ainda não descobriu, mas gosta de poesia; ele escuta rock, MPB e reggae; ele ama cafuné; ele ama o mundo; ele ama ela.

# pequenos momentos de felicidade

O relógio registra 20:53hs. Droga! – pensa ela – continua atrasada e vai chegar tarde na rodoviária. Agora ela reclama, mas sempre encontra tempo de visitar as livrarias do shopping antes de ir embora.
Atravessa a multidão de gente, olhando uma vitrine ou outra e sempre tem o mesmo pensamento – "Preciso comprar calçado! Mês que vem estarei mais folgada." Mês que vem chega e o cartão dela sempre vem alto, mas metade é compra da prima, da amiga, do namorado…que sempre pagam, mas nunca na data certa, e o débito automático a puxa pro cheque especial. – "Preciso cancelar o cheque especial. Amanhã eu faço".
Tira o Mp3 da bolsa, sempre grande, desenrola os fios do fone que estão enganchados no carregador do celular e no espiral da agenda. Arruma o Mp3 (pra ela tudo é Mp3. Não importa se arquiva vídeo, texto, foto e sorri) no bolso ou na bolsa – Hoje vai ser aleatório ou alguém específico?
Atravessa a rua somente quando o sinal de pedestre está verde. Detesta esperar, mas está pagando seus pecados com o antigo novo namorado. Não usa elevador pelo mesmo motivo, prefere andar a ficar esperando. Não é seu espírito de atleta que determina isso, é a falta de paciência mesmo.
O ônibus passa no horário exato, e sua angústia da espera é diminuída quando vai direto pra casa. Quando não, mata a espera ouvindo música, lendo e observando as pessoas. Sempre tenta adivinhar pra onde elas estão indo ao vê-las nos carros, ou imagina o restante do diálogo a partir do ponto que parou de escutar.
Entra no ônibus, senta no lado da janela, aquela que dá pra ver melhor o mundo lá fora. Quando seu lugar preferido está ocupado senta do outro lado, mas sempre na janela, e sempre reparando no movimento de tudo que fica pra trás, sempre imaginando como sua vida poderia ser diferente se isso ou aquilo tivesse acontecido. Mas a felicidade bate à sua poltrona reclinável quando, num momento qualquer, o Sol começa a surgir no horizonte (sua parte preferida da viagem), e nesse instante sente que é a pessoa mais sortuda do universo, não somente por ver essa maravilha da natureza, mas por perceber que já está chegando no seu destino final, e que tem gente que a ama esperando por ela.
Viajar é sempre bom, mas gostar de voltar pra casa é fundamental.

Nordeste Independente

Nem queria comentar essa história toda de preconceito e xenofobia que vem rolando nos últimos tempos. É um assunto bem triste e muito complexo, mas lembrei dessa música e resolvi colocá-la aqui. Sempre achei essa música linda, muito mais por mostrar as riquezas e o respeito dessa região do Brasil do que por sugerir uma separação.
Na verdade, a separação é só pra mostrar o quanto essa região é rica e que, ao contrário do que muitas pessoas pensam, tem gente trabalhadora sim. Mas não sou eu quem vai enfiar isso na cabeça de ninguém, afinal, educação, respeito e tolerância se aprende desde pequeno, e em casa.
Tenho pena de pessoas que não puderam ter isso, felizmente eu tive, e quero conhecer cada cantinho desse Brasil.

Ps.: o vídeo é meio tosquinho – foi mals ai quem produziu – é só pra vocês escutarem a música, porque tô com preguiça de colocar só a música aqui. =/




Já que existe no sul esse conceito
Que o nordeste é ruim, seco e ingrato
Já que existe a separação de fato
É preciso torná-la de direito
Quando um dia qualquer isso for feito
Todos dois vão lucrar imensamente
Começando uma vida diferente
De que a gente até hoje tem vivido
Imagina o Brasil ser dividido
E o nordeste ficar independente

Dividindo a partir de Salvador
O nordeste seria outro país
Vigoroso, leal, rico e feliz
Sem dever a ninguém no exterior
Jangadeiro seria o senador
O cassaco de roça era o suplente
Cantador de viola o presidente
O vaqueiro era o líder do partido
Imagina o Brasil ser dividido
E o nordeste ficar independente

Em Recife o distrito industrial
O idioma ia ser nordestinense
A bandeira de renda cearense
“Asa Branca” era o hino nacional
O folheto era o símbolo oficial
A moeda, o tostão de antigamente
Conselheiro seria o inconfidente
Lampião, o herói inesquecido
Imagina o Brasil ser dividido
E o nordeste ficar independente

O Brasil ia ter de importar
Do nordeste algodão, cana, caju
Carnaúba, laranja, babaçu
Abacaxi e o sal de cozinhar

O arroz, o agave do lugar
O petróleo, a cebola, o aguardente
O nordeste é auto-suficiente
O seu lucro seria garantido
Imagina o Brasil ser dividido
E o nordeste ficar independente

Se isso aí se tornar realidade
E alguém do Brasil nos visitar
Nesse nosso país vai encontrar
Confiança, respeito e amizade
Tem o pão repartido na metade,
Temo prato na mesa, a cama quente
Brasileiro será irmão da gente
Vai pra lá que será bem recebido
Imagina o Brasil ser dividido
E o nordeste ficar independente

Eu não quero, com isso, que vocês
Imaginem que eu tento ser grosseiro
Pois se lembrem que o povo brasileiro
É amigo do povo português
Se um dia a separação se fez
Todos os dois se respeitam no presente
Se isso aí já deu certo antigamente
Nesse exemplo concreto e conhecido
Imagina o Brasil ser dividido
E o nordeste ficar independente

Povo do meu Brasil
Políticos brasileiros
Não pensem que vocês nos enganam
Porque nosso povo não é besta

(Nordeste Independente – Composição: Bráulio Tavares/ Ivanildo Vilanova)

Ela por Ele



E assim, aos poucos, ela se esquece dos socos, pontapés, golpes baixos que a vida lhe deu, lhe dará. A moça - que não era Capitu, mas também tem olhos de ressaca - levanta e segue em frente. Não por ser forte, e sim pelo contrário: por saber que é fraca o bastante para não conseguir ter ódio no seu coração, na sua alma, na sua essência. E ama, sabendo que vai chorar muitas vezes ainda. Afinal, foi chorando que ela, você e todos os outros, vieram ao mundo.
 
 
Dom Casmurro - Machado de Assis

1º ano - Só a Verdade



Havia dias em que até o ar que eu respirava era você. Amanhecia e o Sol lá fora dizia seu nome, o silêncio do sábado chorava sua ausência. Era uma tristeza aguda, nada fazia sentido.
Perder um amor é saber-se falta. O abraço não dado, o telefonema não feito, o último beijo... Eu sabia que aquele seria o último beijo, e essa certeza maltratava. Tanta história, tantos planos, tanta falta pra tanto tempo pela frente. E um amor que doía de tão intenso, passou a doer de ausência, passou a doer de falta. Eu quis muito que você fosse o último homem na minha vida, queria ficar com você pra sempre. A gente sempre dizia que ficaríamos velhinhos juntos, lado à lado, mas o conto se desfez antes mesmo do castelo ser construído.
Sobrava a certeza de que foi melhor assim, e tantas outras certezas ruins que prefiro nem falar. Também sobrava saudade, mas faltas também fazem parte, faltas são a prova da presença. A maior dor que senti neste ano foi quando percebi que você, simplesmente, deixou de fazer falta. Não existe despertador melhor do que um adeus. Eu tive a grande surpresa de ver o tempo passar e a vontade continuar em mim, a vontade de crescer , sem armas, sem farpas... Um sorriso que, hoje, vem de dentro.
Lembra daquela peixinha do "Procurando Nemo"? Ela cantava "Continue a nadar! Continue a nadar!".
Eu nadei, e você também.


Um Beijo Bom, beijos de paz.

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Muito bom ver como mudou desde o PRIMEIRO MÊS.

Trilha Sonora do Dia



Ainda Sobre.



Quando a morte acontece, até que a gente se acostume, ela se repete muitas e seguidas vezes. Ao acordar no dia seguinte, está lá a morte novamente. A cada lembrança, outra morte. E a morte de novo, de novo, de novo e mais uma vez. Até que em nós ela morra de fato — e isso demora. Algumas vezes ela vem mais forte, mais avassaladora, e te dá uma rasteira doce e certeira. 
Para mim, a morte se renova a cada Natal, a cada 19 de agosto e 22 de outubro, a cada reunião de família e a cada dia das mães.

Minha mãe sempre gostou de rosas vermelhas, e eu herdei esse gosto dela assim como outras tantas coisas. Fui visitá-la e parabenizá-la pelo seu dia, e, como boa filha, levei as rosas que ela tanto gosta. Não dei e nem recebi abraços, beijos e nenhum olhar carinhoso. Coloquei as flores sobre um gélido mármore, olhei para uma foto borrada pelo tempo, e disse aos prantos: Feliz Dia das Mães. 

Paz





"Mas eu acredito em finais felizes. Mesmo que o sol não brilhe na manhã, eu também sei que uma hora ele sorrirá para mais um dia clarear. Sei que um amor, por mais triste que sejas, no final, restará uma grande saudade. Não pelo o que ele é, mas pelo o que ele foi."

(Victor Hugo Felipe)

Quero lhe dizer, pequena.



Que de meus irmãos vi trechos de filmes, livros, discos, secos, molhados, laranjas, mecânicas, corpos que falam, escondida atrás da poltrona. Que de minhas primas assisti amores, sandálias de tiras, secadores barulhentos, espelhos indecisos, portões e eu te amos. De meus pais ouvi vozes sem brilho, silêncios velados, o som alto da TV e uma resignada ordem das coisas - mas no meio disso tudo eu vi amor. Quero lhe dizer que de mim mesma vi muito e tanto, sem saber o que fazer com. Que de mim mesma escrevi tentando ler. Que do tempo entendi sermos feitos de medos iguais. Que dos fins, vi começos. Que, das férias, vi ilusões. De cortinas que se fechavam, vi se abrirem outras. Que os medos que tenho hoje não são outros dos que me viram crescer. Que os meus vinte e poucos eu não sinto. Que você crescendo ao meu lado é exemplo. Quero lhe dizer que não sei. Que ao ter você em meus braços, sinto como se soubesse, e esqueço os meus temores para ser o seu farol. Que ser o seu farol, acende um caminho dentro de mim. Quero lhe dizer que ao tentar ensinar aprendo de novo – ou quem sabe é a primeira vez. Quero lhe dizer o que quero me dizer. Que você é um amor em mim. É afeto melhorado. Que depois de você a vida é brincadeira leve. Que o perigo de te ver crescer é um risco doce. Que a sua respiração me faz voar para bem longe. Que a minha respiração ofegante coloca vírgulas em mim. Que atropelo as vírgulas em busca dos começos que moram depois dos pontos finais. Quero lhe dizer obrigada pelas vírgulas. Porque ao lhe ensinar sobre elas, vou aprender.


Um beijo bom

Titia

Notas de Silêncio





Durante alguns dias em que estivemos separados, minha melhor companhia foi um disco da Cat Power, presente de um amigo que, carinhosamente, desenhou um coração partido na face do cd. Esta música faz parte da categoria das “músicas silenciosas”. Ouço bem alto e ainda sobra espaço para sentir. É música que fala de falta – e por isso mesmo fala de encontro. De uma presença que era o que eu estava tentando encontrar naquela época: a minha própria. Chegar mais perto de mim naqueles dias talvez tenha ajudado a trazê-lo, dias depois. Eu me reencontrava com o mundo, mas não ia só – pela primeira vez na vida, eu me sentia em minha própria companhia. Depois de um tempo, de fato, não estava mais sozinha: me descobri dentro de mim. E então aquela força e aquela alegria que eu sentia sem saber por que, ganharam explicação.


Já uma música do M. Ward, também silenciosa, foi minha companhia numa outra transição. Entre a perda da minha mãe e a chegada de um mundo novo, eu sentia uma mistura que eu não sabia explicar – nem sei se sabia sentir. Essa música me ajudou a chegar no lugar. Minha tristeza se assentou, talvez por finalmente ter se mostrado. E era uma tristeza doce. Uma tristeza em paz. Ouvir essa música me fazia pensar e principalmente sentir tudo isso: a ida dela, sobreposta a uma vida nova, a minha vida. Na confusão absurda daquele momento, essa música parecia me contar a minha própria história.

Tenho lembranças dela no dia de sua partida, principalmente quando tive que ir ao cartório resolver a papelada da certidão de óbito. Um papel, um único papel que atestava a certeza que meu coração insistia em não acreditar. Sentei numa cadeira e coloquei os fones de ouvido, um momento em que me pus a pensar no que fazer naquele dia em que o mundo inteiro trabalhava, e eu tinha parado para esperar o pedaço de folha mais pesado que já se ouviu falar. Naquele dia, sim, senti solidão. Porque a vida das pessoas tinha que continuar, e eu estava diante de um divisor de águas. Nunca mais voltaria a ser a mesma. Minha mãe já não estava ao meu lado para presenciar essa mudança – nem para mudar comigo. Quanta ironia: ela causou a mudança.

Fazia um mês que eu só ouvia esse disco , desde que Miguel o levou para mim de presente. Ele não sabe que foi essa seleção de músicas que me levou para outro lugar. As próprias músicas acabaram se tornando um lugar, que eu visito de vez em quando, para entender de novo o que senti. Para entender, sentindo de novo.

Até hoje, ao ouvir essa música, tenho uma vontade de chorar que não é de tristeza, é de beleza. É disso que ela fala, é disso que fala a minha história, pois em meio a tanta dor, as cores foram mais fortes...
Da beleza de um ir e vir, sem lógica nem explicação. Da beleza de um sentir que se mistura: o que sinto por ela, o que sinto por mim e o que sinto pelos nossos.

Se existe um lugar, além de mim, onde nós duas nos encontramos, é nessa música. E não é pela letra, porque eu nem me preocupo com ela. É pelo que ela provoca aqui dentro: um sentir, sentir, sentir. Que não tem nada a ver com pensar. E que, nessa falta de lógica que compõe a nossa história, se explica.